O direito é um dos fenômenos mais notáveis da sociabilidade humana. E quando me refiro à sociabilidade humana, estou querendo estabelecer uma diferença fundamental entre o caráter gregário, ou seja, aquele estágio que se situa nos limites da necessidade de viver em bando, daquele que se põe como exigência inexorável para a vida em sociedade, em que um grupo de pessoas por vontade própria e sob normas comuns decide viver e construir em certa faixa de tempo e de espaço uma comunidade de destinos.
Daí a pertinência da afirmação: se queres indagar sobre a sociedade, indagas sobre o homem. Mas, se queres indagar sobre o homem, é preciso indagar sobre o direito. O direito aparece, assim, com o princípio normatizador da interação social. Compreender o direito é compreender o próprio homem em sua práxis no mundo, é indagar o porque da obediência, da autoridade, da indignação, da liberdade e da opressão. Mas, a compreensão do direito não se limita a uma mera atividade conceitual de lógica abstrata ou de domínio técnico-legislativo. Esta é a parte mais contingente e mais redutível do direito. Por isso, todo o encontro com o direito é uma experiência diversificada, às vezes, uma prática virtuosa objetivada num ato de justiça, quando conseguimos estender a outrem a difícil arte da equidade, em sua mais estrita dimensão: "Suum cuique necessitatis" (Dar a cada um de acordo com a sua necessidade"), às vezes, uma prática perversa e impiedosa exteriorizada num ato de injustiça, quando nos deparamos com o sofrimento de alguém que foi privado de um determinado tipo de direito. Porém, qualquer que seja a concepção que se tenha do direito, é impossível abstrair-se de seu caráter de normatividade social. Mesmo que seja apreendido como um sistema de legalidade, ou seja, de conteúdo coercitivo emanado de um poder estatal, quer como direito vivo ou direito social desvinculado dessa imediata imposição coercitiva, o direito é suscetível à indagações de conteúdo valorativo, as quais pressupõem a investigação das formas como o direito interage com os processos sociais através dos quais os indivíduos e os grupos estreitam ou dissolvem suas relações. Neste caso, o direito atua como instrumento de contenção das condutas individualistas e egoístas do homem, o que justifica a sua presença inevitável no seio da sociedade. Para todas as sociedades humanas, o direito aparece sempre como a regra fundamental da convivência social, postulada pela máxima do "viver honestamente, não ofender a outrem e dar a cada um de acordo com a sua necessidade". De modo que, da importância e do significado do direito para as sociedades humanas, advém o famoso silogismo: "Ubi homem ibi societas, ubi societas ibi jus; ergo, ubi homo, ibi jus" ("Onde há o homem há a sociedade, onde há a sociedade há o direito; logo, onde há o homem, aí existe o direito".) Sem dúvida, o fenômeno jurídico é um processo civilizatório que precisa ser apreendido em sua diversidade cultural. Estudar o direito considerando essa diversidade é, sobretudo, ponderar sobre as mais gerais tendências de sua aplicabilidade e respeitar o caráter de atualidade do conhecimento jurídico em que se presencia uma transformação profunda nos modos de organizar e viver a vida em sociedade, com uma exigência cada vez mais nítida de adoção de formas jurídicas alternativas orientadas para contextualizar o poder estatal e suas instituições no conjunto das formas de poder que circulam na sociedade. Se hoje existe uma crise de valores que, a partir da segunda metade do século XX, pode ser resumida na perplexidade de superação das vicissitudes da sociedade moderna, há, igualmente, na contemporaneidade um trajeto de abandono diante das incertezas de um mundo pós-moderno, inquietante em suas contradições e, ao mesmo tempo, estimulante na reflexão sobre a administração da justiça e na definição de novas políticas judiciárias atentas ao imperativo das necessidades humanas e sociais que reivindicam maior democratização e mais amplo acesso ao direito. Por isso, deve sempre existir um canal aberto para a discussão e reflexão acerca desta difícil relação entre Direito e Sociedade, principalmente quando nesta vicejam as questões da cidadania: autonomia, tolerância, desigualdade social, pluralismo político e controle ético e jurídico do exercício da governação. E ai, talvez, possamos entender porque o direito é detentor de uma dupla face: a) do pondo de vista pragmático, enquanto norma jurídica, é um mandamento impositivo, que obtém sua força através de um procedimento juridicamente válido; b) do ponto de vista ético e moral é uma afirmação de liberdade, cujo valor social é determinado pelo grau de sua "impregnação na sociedade". |
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
DIREITO & SOCIEDADE: UMA DIFÍCIL RELAÇÃO
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