Estar sozinho não é
sentir-se só.
É apenas permanecer por um instante
em “parêntesis”.
Djason B. Della Cunha
É apenas permanecer por um instante
em “parêntesis”.
Djason B. Della Cunha
A sociedade contemporânea do século XXI está definitivamente marcada por
uma crença de que nascemos para sermos felizes. Parece
que do ponto de vista do sentimento de evidência, a felicidade, até por
definição, causa interesse em todo mundo: todos desejam ser felizes. E ai neste
devaneio de expectativas e buscas, a felicidade se transforma numa “mercadoria
fetiche”, objeto de cursos e raciocínios, visões, sentimentos e êxtases. Esse
paroxismo mercadológico da sociedade de consumo é o que podemos denominar de
obsessão por um sentimento: “a busca da felicidade e do design humano”.
Neste sentido, o primeiro argumento que confere a esta crença uma razão
justificante é a de que a busca da felicidade é obrigatória: desejamos e
podemos ser incondicionalmente felizes. E, sob nenhuma hipótese, este desejo
deve mudar de orientação, o que significa dizer que não podemos desejar a
infelicidade. E se, por acaso, alguém nutrir este desejo, é sinal que está
sofrendo de um desequilíbrio psíquico, alguma coisa de patológico está
acontecendo com a pessoa.
Na verdade, essa ideia é tão poderosamente veiculada pela mass midia
na manipulação dos interesses e da consciência das pessoas que criamos uma
razão justificadora, de caráter dogmático, de que a única coisa que justifica a
vida hoje em dia é acreditarmos que somos programados para buscar a felicidade,
não somente desfrutá-la, mas querê-la incessantemente, e não importa o preço
que tenhamos que pagar para consegui-la.
Isto me parece uma reinscrição em contexto contemporâneo da doutrina
filosófico-moral do hedonismo, rebatizada pela lógica utilitária da sociedade
de consumo e extravazada até as suas últimas consequências no jogo moral do
desejo.
O termo hedonismo
vem do grego hedonê, traduzido comumente como “prazer”, “vontade”, e que
pode ser afirmado como uma busca incondicional pelo prazer, considerado o
supremo bem da vida humana. Seus mais antigos representantes foram Aristipo de
Cirene e Epicuro. O fato, porém, é que o modo como os gregos buscavam alcançar
o prazer ou mesmo a felicidade destoa inteiramente da maneira como os
contemporâneos da sociedade do século XXI vivenciam essa busca. Os raciocínios dos gregos, por exemplo, sobre a
felicidade giravam em torno da filosofia como sabedoria. Ser feliz, portanto,
para os gregos, implicava em atingir a condição de sábio, embora a sabedoria
como felicidade não fosse uma felicidade qualquer. Neste sentido, a felicidade
do sábio não seria uma recompensa da virtude, mas a própria virtude em si mesma
descrita pelo nome de eudaimonia (beatitude):
a vida verdadeiramente feliz.
Porém, em contexto moderno, a doutrina do hedonismo procura fundamentar-se em uma concepção mais ampla de prazer, geralmente interpretada como “felicidade” para o maior número de pessoas. Entretanto, para os contemporâneos, a felicidade assume outras formas de sentimentos: às vezes, é buscada nas ilusões e nas diversões, nas mentiras e nos esquecimentos, nos remédios, nas drogas, nos ansiolíticos e antidepressivos, que seriam ao mesmo tempo um tônico e um euforizante.
Porém, em contexto moderno, a doutrina do hedonismo procura fundamentar-se em uma concepção mais ampla de prazer, geralmente interpretada como “felicidade” para o maior número de pessoas. Entretanto, para os contemporâneos, a felicidade assume outras formas de sentimentos: às vezes, é buscada nas ilusões e nas diversões, nas mentiras e nos esquecimentos, nos remédios, nas drogas, nos ansiolíticos e antidepressivos, que seriam ao mesmo tempo um tônico e um euforizante.
No entendimento da linguagem comum, o termo hedonismo sofre derivação do
significado original e designa uma atitude, uma vontade, direcionada para a
busca egoísta de prazeres momentâneos. Com essa visão, o “hedonismo” empobrece
a demanda dos sentidos, assumindo conotação pejorativa, sendo visto normalmente
como uma prática decadente, uma expressão paroxística do prazer.
Esse modo egoísta do prazer e, mesmo da felicidade, tem sido fortemente
criticado por autores modernos e contemporâneos que afirmam, cada um a sua
maneira, que o prazer e a felicidade não podem ser obtidos diretamente, senão
indiretamente. Há um claro entendimento por parte desses autores que
fracassamos na obtenção do prazer e da felicidade toda vez que os procuramos
deliberadamente. Este insucesso na busca do prazer e da felicidade é chamado
por esses autores de paradoxo do hedonismo.
Paradoxo é uma palavra que deriva do grego (paradoxon), porém bem mais
fortemente do latin (paradoxum), composta do prefixo “para” – que quer
dizer “contrário a”, “alterado” ou “oposto de”, conjugada com o sufixo nominal
“doxa”, que significa opinião. Paradoxo, portanto, seria uma afirmação
aparentemente verossímil que traz uma contradição lógica, no sentido de que é o
“oposto daquilo que se afirma ser a verdade”.
Do ponto de vista da
filosofia moral, o paradoxo ocupa um papel nuclear nos debates de caráter
ético, na medida em que a linguagem que usamos para definir uma realidade relacional
conflita com a qualidade desta relação. Por exemplo, a contradição gerada pela
declaração de amor feita a uma pessoa que não se coaduna com a conduta que a
faz sofrer por traição.
Certamente, se fizermos uma consulta pelas páginas da internet,
acharemos uma expressiva quantidade de informações de forte apelo de como
conseguir ser feliz. Na verdade, são conselhos que sugerem vários meios de se
conseguir a felicidade: os sete hábitos, as nove escolhas, os dez segredos, os
mil pensamentos que supostamente praticados atraem a felicidade. Atualmente,
outra prática que parece assegurar o aumento da felicidade é a ingerência
medicamentosa.
Se fizermos um apanhado pelas informações que circulam nos órgãos
oficiais de governo, mais de 100 milhões de receitas médicas, por ano, para
antidepressivos são concedidas. O prozac tem sido a droga mais procurada,
pelo fato de ser receitada sob a orientação de médicos que afirmam ser uma
droga limpa, eficiente, sem risco de efeitos colaterais. O fato é que, mesmo
que tenhamos à disposição todo este arsenal de comedimentos que nos conduzem ao
encontro da felicidade, a depressão e a ansiedade estão aumentando.
Talvez, esta seja a expressão mais degradada da felicidade, que pode ser
representada por esta frase: felicidade é prazer em excesso, é extravasamento
na forma de viver as emoções. Neste caso, a felicidade como sentimento se
degrada, uma vez que, privada de lucidez, se apresenta sempre como um
desconforto, uma versão ludibriada das emoções. É como diz o político William
Bennett: “A felicidade é como um gato, se tentar persuadi-lo a vir até você,
ele o evitará; nunca virá. Mas se não prestar atenção nele e se ocupar da sua
vida, encontrá-lo-á a se esfregar em suas pernas e a pular em seu colo”.
Na realidade, o enfrentamento dessa realidade que nos afronta consiste
na pretensão de desmistificar essa onda mercadológica do prazer e da
felicidade, que se pode adquirir ou comprar nos balcões de produtos ou clínicas
de tratamento por preços os mais variados, com uma facilidade inebriante.
Por outro lado, buscar tratar o tema de maneira mais apropriado,
mostrando a importância que hoje tem a busca do prazer e da felicidade na
motivação da vida das pessoas, sem descurar dos aspectos objetivos e subjetivos
da questão, mas reservando à compreensão o sentido que isto representa na saúde
física e mental dos indivíduos.
Talvez,
fosse mais interessante e possível se falar de realização. No plano da
existência, ser feliz é o sujeito que adota como projeto para si a busca de
realização. Sim, mas a realização é algo que se dá por via da mediação:
mediação da realidade, dos objetos e dos outros. Como atingir, de fato, a
realização pessoal e ser feliz se nela está implícita a dependência?
Para
por fim a essa armadilha do pensamento, podemos pontuar como possibilidade a
esperança como “felicidade em ato”. Se todo projeto de realização implica em
dependência e se toda dependência requer a possibilidade da esperança, ser
feliz é viver “desesperadamente esperançoso” e desejar uma felicidade mediada,
compartilhada, em que cada ato é construído num tempo do possível, não como um
dado pronto um ou achado sem causa, mas como uma possibilidade do desejo
mediado pela lucidez: feliz é aquele que tomado pela lucidez busca a realização
de si mesmo por mediação.
Mas,
isto não parece ainda impossível, uma vez que a mediação implica dependência e
esta, por sua vez, não se acha assujeitada às
tantas e confusas demandas que não conseguiríamos dar conta de todas elas? De
fato, esta parece uma condição de impossibilidade; não obstante, é
desesperadamente esperançosa. E isto é inteiramente possível. E, assim, para
ser feliz é, pelo menos, numa tentativa de aproximação, ter o que desejamos.
Não realizar todo o desejo que nos é abundantemente disponibilizado, mas buscar realizar abundantemente todo
desejo que nos é possível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário